Segunda-feira “pós páscoa”. Os restos de chocolate ainda compõem o cenário da casa cheia de caixas empilhadas aguardando a mudança. Mais uma mudança. Desta vez, de Itajaí para Curitiba, cidade natal da mãe que, aos 8 meses de gravidez, chora ao assistir pela televisão as homenagens à apresentadora Xuxa, completando mais um aniversário naquele 27 de março. É também aniversário de Renato Russo, além de ser o dia mundial do Teatro, do Circo e do Artista Circense, mas a geração de 89 queria mesmo era saber da rainha dos baixinhos.
A chegada do bebê está prevista para a semana entre 2 e 9 de abril, mais precisamente ali pelo dia 5. A irmãzinha, que até então é filha única, se empanturra com as sobras das guloseimas de uma páscoa sempre muito recheada de doces, chocolates, mimos e as famosas cestas artesanais produzidas pela avó. As cestas produzidas “para fora” seguiam um padrão, mas as “de casa” eram sempre maiores e mais coloridas.
A tipinha de 4 anos, cabelo chanel e sardinhas no rosto é toda alegria em voltar para a cidade onde nasceu. Nunca gostou de sair do Paraná, nem mesmo depois de crescida.
O pai termina de ajeitar os pacotes no caminhão e segue viagem ao lado do motorista, enquanto as três gerações de mulheres seguem de ônibus. As três e o bebê, previsto para o início de abril.
A viagem deve durar aproximadamente 3 horas e meia, dependendo do motorista. A parada obrigatória da linha convencional do ônibus Catarinense é em Joinville, que marca o meio entre as duas cidades. A família sempre viaja em ônibus Catarinense. Tradição, vinda do avô motorista da companhia e dos próprios pais, que se conheceram enquanto ele recolhia os bilhetes dos passageiros e ela cantava para toda rodoviária: “Atenção senhores passageiros da Auto-Viação Catarinense…” O avô, pena, não conheceria a nova neta: uma cirurgia o levara alguns meses antes, quando a pequena estava apenas se formando no ventre da mãe, aos cinco meses de gestação.
Nas paradas em Joinville ninguém desce: medo do ônibus seguir viagem e deixar alguém para trás. Mas a mãe tinha abusado dos doces pascais e sentia algumas dores na barriga. Foi ao banheiro de ônibus e percebeu que as dores fortes significavam mais que um excesso de chocolate: eram contrações. Por fim, desceram. Mãe, avó, filha mais velha e bebê no ventre.
A pequena só quer saber de voltar para o ônibus: “quero ir pra Curitiba”, repetia incansavelmente. A mãe, já tensa com o trabalho de parto, é categórica: “se você não ficar quieta e me deixar sentar aí, vai para Curitiba em um pontapé só”. A avó tenta manter a calma e cuidar das duas, ou três, como quiser, enquanto procura por um táxi.
Ao abrir a porta do carro, a bolsa estoura. “Motorista, por favor, siga para a maternidade mais próxima”. No futuro, o bebê já crescido reclamaria: “devia ter me deixado nascer no ônibus ou no táxi. Assim, seria famosa. Os jornais anunciariam: Completa, hoje, 15 anos a menina que nasceu dentro de um ônibus em 1989…” A mãe, ao sentar no banco de passageiro, sente a criança empurrar seu estômago, pois já estava saindo e teve de voltar.
Chegaram à Maternidade Darcy Vargas. Uma das melhores do país, dizem. Na correria, já dentro do saguão do hospital, deram por falta da pequena: tinha ficado dentro do táxi, esquecida, com a loucura do parto por vir. O desespero da mãe foi imediato: era época em que “roubavam” crianças loiras dos olhos azuis, perfil exato da filha mais velha. Volta a avó buscar a criança que ainda estava no carro, esperando, com o motorista. Sorte o motorista não ser sequestrador.
Às 17h45 o bebê vem ao mundo, arroxeado por não poder respirar dentro do ventre. Quase que morre sem ar. Com mais de 3 kg e muita saúde, nos primeiros anos teria indícios de obesidade, controlada pelas broncas do pediatra. Não quis esperar para nascer na terra do leite quente e veio à luz em uma cidade onde o casal sequer pensou em morar. E não morou.
Aí, ali, nasci.
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