Um dos polos têxteis do Paraná, Londrina, no norte do Estado, é responsável por cerca de nove mil toneladas de resíduos de tecidos anualmente. Mas nenhum deles sai da GMTex, fábrica de materiais em jeans e sarja que produz cerca de 200 mil peças e gera entre oito e 12 toneladas de resíduos têxteis por mês. Tudo o que seria descartado pela empresa é transformado em novos produtos, revendidos em projetos sociais parceiros que se beneficiam da ação. De recheios de almofadas e ursos de pelúcia a tecidos novos, feitos a partir de um processo de desfibração, todo o material é reaproveitado.
Plano de Gerenciamento de Resíduos Têxteis
Beleza que polui
A indústria da moda é a segunda maior poluidora do mundo, atrás apenas da indústria petrolífera. Um levantamento recente da Global Fashion Agenda, organização sem fins lucrativos, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados nos últimos anos. A projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas, nos próximos oito anos.
A iniciativa da GMTex tem uma raiz forte. A gerente administrativa Roberta Moreira Lima Yamacita criou um PGRT – Plano de Gerenciamento de Resíduos Têxteis, para direcionar os descartes da fábrica. A ideia foi inspirada no Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS), documento que orienta as empresas sobre o destino correto de materiais – e que não tem informações sobre o descarte de tecidos.
A preocupação ambiental reforçou a atuação social da empresa. O Projeto Recicla Jeans tem 14 parceiros, como o Clube de Mães e a Cáritas, que recebem os resíduos, formação de mão de obra e manuais para o desenvolvimento de produtos. “Eu faço a doação para que as costureiras de baixa renda recebam a capacitação e desenvolvam uma nova profissão, costurando e fazendo novos produtos”, conta Roberta. São 400 modelos, como ecobags, chinelos e capas de almofadas, entre outros. Um dos destaques é um urso feito totalmente a partir dos resíduos.
“Um dos momentos que eu mais gosto na história desse urso foi quando produzimos alguns todos em branco. Nós levamos os ursos e canetinhas para crianças internadas em hospitais”, lembra. Qualquer empresa interessada em contribuir com a iniciativa, pode comprar uma remessa de ursos para serem doados. Quem participa recebe um selo de “Amigo do Hospital e do Meio Ambiente”, lembra Roberta.
Incentivo ao desenvolvimento profissional
A designer de moda, Guimel Macedo da Silva, 24 anos, é assistente de Estilo na GMTex. O trabalho de conclusão de curso dela foi construído dentro da empresa, onde era estagiária. “Com toda a experiência que eu tive sobre a linha de produção fast fashion e a questão da sustentabilidade nesse cenário, eu decidi abordar no meu TCC uma temática que unisse a sustentabilidade na indústria da moda. Dessa forma, eu realizei estudo de caso na GMTex e desenvolvi um modelo de reaproveitamento de resíduos têxteis para criar novos produtos de moda”, conta. O resultado foi uma coleção feita a partir das sobras de tecidos do setor de corte da empresa.
Ações em ESG
Todas as ações da GMTex são interligadas pelas práticas de ESG – sigla em inglês para Environmental, Social and Governance. As três letras reforçam a necessidade das corporações manterem comportamentos além da busca pelo lucro de produção. E isso exige um movimento de toda a instituição. É o que explica a especialista no tema, Cris Baluta: “é uma jornada que não tem começo, meio e fim. É uma agenda transversal, que envolve todos os setores e equipes de uma empresa”. Coordenadora do Grupo de Intercâmbio de Experiências em Meio Ambiente e conselheira da Câmara Brasil-Alemanha Paraná, Baluta é categórica: “não se vive e não se viverá mais sem ESG. As empresas que não seguirem por esse caminho não terão a sua perenidade garantida”.
Ainda que a preocupação com um desenvolvimento sustentável e social pareça natural, Aline Calefi Lima, coordenadora do Centro de Inovação do SESI, lembra que a atenção ao tema está muito mais ligada à uma busca do mercado em si. “É um assunto que está em alta porque é uma demanda do mercado financeiro. Não é uma sigla nova, surgiu em 2004 no pacto global, mas ganhou força com a carta de 2020 do CEO da Black Rock” (veja box abaixo), explica.
De onde veio o ESG?
O tema tem ganhado cada vez mais visibilidade e nasceu a partir de uma das cartas de Larry Fink, co-fundador da maior gestora de investimentos do mundo, a Black Rock. Nos últimos anos, os textos de Fink têm enfatizado a necessidade de ações voltadas ao cuidado com o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável das empresas e a clareza nos negócios. Uma das cartas chegou a enfatizar que “o risco climático é um risco de investimento”.
E não basta fazer: tem que demonstrar. Por isso a importância de documentar todos os processos, registrar os impactos e divulgar as iniciativas. “As indústrias, para que não percam cliente, começaram a olhar com outros olhos para as questões ambientais, sociais e de governança e, principalmente, como comunicar isso para os investidores e para sociedade. Para a empresa solicitar um financiamento ou exportar, ela precisa comprovar as ações ESG que já tem. Precisa fazer e também se preocupar em definir indicadores para mostrar o que está fazendo”, reforça.
Para isso, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são bons aliados. Aline avalia que os ODS são um guia para quem precisa começar, independentemente do tamanho da empresa. Tanto que o SESI reconhece, todos os anos, iniciativas que se destacam nesse sentido. A GMTex foi uma das vencedoras entre as médias indústrias, na categoria Ambiental.
Para o futuro, a ideia é seguir desenvolvendo iniciativas sustentáveis. “Eu tenho condições de absorver as roupas que eu mando para o meu cliente e dar o destino correto para elas. Ainda precisamos que alguém assuma os custos da logística, que é o mais caro atualmente”, pontua Roberta.