Professora da Universidade Federal do Paraná comemora a nomeação, porém cobra políticas públicas a favor da comunidade trans.
No dia 21 de junho, Megg Raynara Gomes de Oliveira recebeu o título de cidadã honorária de Curitiba. Mulher trans preta e professora do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi a primeira pessoa transsexual negra a receber a nomeação, cujo pedido aconteceu no ano passado a partir da vereadora professora Josete (PT). Dessa forma, em junho Megg recebeu a honraria junto de outras educadoras negras, a fim de celebrar o Julho das Pretas.
A cerimônia aconteceu de forma individual por causa da pandemia de covid-19. Contudo, de acordo com a assessoria da professora Josete, a solenidade vai acontecer quando a condição sanitária do país melhorar.
Em entrevista ao Plural, Megg afirma ter se emocionado com a nomeação, porém reforça que ainda falta muito para a população trans ser reconhecida e respeitada na cidade. “É um reconhecimento do meu trabalho na universidade e no movimento social, mas ainda precisamos pensar na empregabilidade, no acesso à saúde e à educação e na segurança pública para pessoas trans, pois continuamos sendo assassinadas. Que o título também sirva para disparar esses debates”, expõe.
Do interior do Paraná para a UFPR
Nascida em Cianorte, no norte do Paraná, durante sua infância Megg trabalhava na roça quando estava de férias da escola. Mas a sala de aula foi um marco negativo em sua vida, pois foi o primeiro espaço em que enfrentou o racismo e a transfobia. Além de negra, desde pequena ela se identificava como menina.
“No primeiro dia de aula do primeiro ano, a minha irmã mais velha disse pra eu me sentar na primeira carteira, porque lá ficavam as pessoas mais dedicadas. Eu entendi que aquilo era uma regra aplicada a todo mundo e me sentei, só que a professora me tirou de lá e me colocou na última carteira da última fila”, lembra ao Plural.
Devido ao preconceito, Megg quase desistiu dos estudos, porém continuou por uma pressão social – para ser boa o bastante para o mercado de trabalho. Aos 20 anos, ela se mudou para Curitiba para realizar sua transição de gênero e descobriu que poderia entrar na universidade.
Depois da graduação, ela tentou quatro vezes entrar no Mestrado em Educação até ser aceita. E, até o doutorado, a luta não foi fácil. ”Foi um processo lento, principalmente por conta do racismo e da transfobia”, expõe.
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A luta continua
Primeira doutora transsexual e negra do país, hoje Megg é professora do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná e coordena o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da UFPR. Apesar de suas conquistas, ela reconhece ainda sofrer preconceito no ambiente acadêmico.
“Certa vez eu tive uma reunião com o pró-reitor de cultura no prédio histórico e fui ao terceiro andar pra falar com ele. Quando saí do elevador, uma pessoa me disse: o que você está fazendo aqui? Eu falei: como assim? Por que tu tá me perguntando isso? Ela me respondeu: você não tem que ficar lá no subsolo?”, relata a professora.
Desse modo, com sua nomeação, ela espera abrir o debate sobre a transfobia no Brasil. Ela também defende a ampliação de políticas públicas voltadas à comunidade trans. “Vivemos em uma sociedade hipócrita e mentirosa. A mesma sociedade que nos coloca no primeiro lugar do ranking mundial de consumo de pornografia protagonizada por travestis é a que nos coloca no topo do ranking mundial de assassinatos a pessoas trans. Fica para reflexão: o que cada um pode fazer para mudar essa situação?”
Reportagem de Isabela Stanga, sob supervisão de Ana Flavia Silva.