A autora de Úrsula, primeiro livro abolicionista do país, era maranhense e filha de pretos. Contudo, ela aparecia como uma mulher branca em homenagens da cidade onde viveu.
Antes de Castro Alves escrever O Navio Negreiro (1870), importante obra abolicionista brasileira, uma mulher já denunciava a situação dos negros no país. Dessa forma, Maria Firmina dos Reis teve como ápice de sua carreira o romance Úrsula (1959), que retratava pretos e brancos em pé de igualdade.
Maranhense, a autora foi filha de uma escrava alforriada e de um preto. Na cidade onde passou a maior parte da vida, Guimarães, Maria Firmina possuía retratos como branca. Isso porque na Câmara dos Vereadores da cidade, um quadro da gaúcha Maria Benedita Câmara (1853-1895) era tido como se fosse da nordestina.
Além disso, o busto de Maria Firmina, localizado na capital do estado, possui traços típicos de uma pessoa branca. Dessa forma, por anos a real identidade da autora ficou esquecida. Ainda não se sabe como era seu rosto, mas existem descrições de seus ex-alunos e conhecidos.
Mulher de rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, cortado curto e amarrado na altura da nuca, com nariz curto e grosso. Essa era Maria Firmina, nada parecida com seu busto em São Luís, nem com a imagem que costumava ficar na Câmara de Guimarães.
Vida descoberta de Maria Firmina
Até 2017, acreditava-se que a autora havia nascido em 11 de outubro de 1825, filha de mãe branca com origem portuguesa. Mas essa, na verdade, é sua data de batismo. Mundinha de Araújo e Dilercy Adler, professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), descobriram que Maria Firmina nasceu em 11 de março de 1822, em São Luís.
Contudo, não se sabe exatamente todos os passos da maranhense até a publicação de sua obra-prima, Úrsula, em 1859. Mas, de acordo com registros, ela ficou órfã e se mudou para a casa da tia em 1830. Assim, Maria Firmina contou com os recursos da parente e pode estudar, algo raro para as pessoas pretas na época.
Ademais, ela passou em concurso público em 1847 e foi professora primária até sua aposentadoria, em 1881. Durante sua vida, colaborou com jornais maranhenses, publicando poesias, contos e crônicas.
Igualdade e representatividade
Antes de se aposentar, Maria Firmina fundou a primeira escola mista do Maranhão. Isso porque quem recebia educação na época, em sua maioria, eram os meninos da elite. Porém, em plenos 1880, a maranhense recebia igualmente garotos e garotas pobres.
Primeira autora preta conhecida do Brasil, ela não escrevia romances para sensibilizar os brancos, como A Escrava Isaura (1875), que tem como protagonista uma mulher branca. Segundo a professora da UFMA Régia Agostinho, as histórias de Maria humanizavam os pretos, mostrando que eles eram iguais aos demais.
Em entrevista à BBC Brasil, a pesquisadora da vida e da obra de Maria Firmina afirma que a autora representava os escravos de maneira positiva. “Uma positividade que não foi feita nem depois dela, mesmo por escritores abolicionistas”, ressalta.
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Mistérios ainda sem solução
Mesmo com as descobertas recentes, ainda existem muitos detalhes ocultos da vida da primeira autora negra do país. Por exemplo, como era realmente sua aparência.
Em 2018, a Feira Literária das Periferias (Flup) fez um concurso para recriar o seu retrato. A versão vencedora, feita de acordo com os relatos dos conhecidos de Maria Firmina, é do artista João Gabriel dos Santos Araújo.
Além disso, não se sabe ao certo quem foi seu pai, João Pedro Esteves, e sua relação com a filha. Ademais, os pesquisadores também não têm certeza onde a maranhense realizou sua formação. Isso porque Guimarães era uma vila pequena na época, sem centro universitário.
“Ainda existe uma longa jornada pela frente, e todas essas dúvidas só nos instigam a buscar mais respostas”, reconhece Régia Agostinho.
Reportagem de Isabela Stanga, sob supervisão de Ana Flavia Silva.